domingo

Cenas de aeroporto

Ontem fui encontrar outra natalense que vive em Brasília. Irmã de um colega da faculdade e também jornalista. Ela está aqui há três anos, é assessora de imprensa de quatro aeroportos. Caiu no planalto de pára-quedas, não escolheu vir viver aqui. Uma boa classificação num concurso com o prazo prestes a esgotar a fez tomar a decisão de mudar radicalmente. Ela me disse que teve menos de 24 horas entre a dúvida e o sim.

Pensávamos em ver um filme ou ir a uma exposição (tem uma maravilhosa, sobre arte cubana). Mas acabamos visitando a feira do livro e nos permitindo algumas horas de conversas. Daquelas labirínticas, em que um assunto leva ao outro e os fios vão se entrecruzando num novelo. Muitas histórias. Falamos dos livros infantis que desejamos escrever, do mundo cada vez mais visual que nos fisga pelos olhos, dos quadros de Gustave Klimt, de poesia, desse desejo de escrever de forma clariceana (como se realmente fosse fácil), da solidão, trajetórias, destinos, da crença de que nada é por acaso, das teorias pessoais que criamos para nos proteger e aprender com a vida. De ilusões, desilusões. E de amor, claro, assunto irrevogável em todas as longas conversas.

Comentei com essa moça adorável que trabalha no aeroporto o meu sentimento sobre as "cenas de aeroporto". Ultimamente tenho presenciado muitas. Os amores despedaçados nos saguões, as lágrimas, os corações partidos. E, de outra sorte, o emaranhado intenso dos amantes. No choque dos corpos ansiosos para se tocarem depois de uma longa espera - o brilho dos olhos saltando no rosto, os fôlegos se amparando boca a boca.

Há uma teatralidade visceral nesses gestos. Real, atávica, um rito espontâneo: os encontros e desencontros que atam e desatam tudo nessa vida.

É encantador ver o sentimento virar espetáculo – por ser uma ação totalmente desprovida da vaidade consciente de quem encena, ausente de consciência da observação. Eles estão presos demais um ao outro para se saberem identificados na multidão. E é linda aquela visão do “eu te amo e o resto que se dane”.

E eu dizia a ela, que concordava comigo, que eu queria um pouco disso, qualquer dia desses. O sentimento do encontro abalando as minhas pernas. Pois das despedidas já sei o bastante.

4 comentários:

Sara Graciano disse...

Ai, li isso tudo e tive vontade de chorar. Me lembrei do dia que saia eu de Brasília, depois do Natal, com o coração na mão, engolindo o choro quando dei tchau pra minha mãe. Prometi a mim mesma que não iria olhar para trás e se olhasse, não iria chorar. Olhei. Mas não chorei. Chorei só quando o táxi me deixou na porta da minha casa aqui em Porto Alegre.
Desculpe o desabafo, mas é incrível como palavras alheias fazem transbordar nossos sentimentos.
Um beijo.

c. disse...

A minha vida é feita de cenas de aeroporto, família de imigrantes, cada um num ponto do mundo. Então é assim mesmo e a gente não se acostuma, nunca. Espero que o sentimento do encontro esteja próximo na tua vida, mesmo. Escrever de forma clariceana (ame!) - também queria eu, com pitadas atwoodianas (da margaret atwood, já leu? não sei, acho que você iria gostar). Ah, eu vi uma exposição maravilhosa do Klimt em Paris. Eu olhava os quadros e pensava: não acredito que estou mesmo vendo, que estou mesmo aqui. Pois é, tenho que contar pra ser verdade de novo. Beijos.

Anónimo disse...

Meus olhos mareados lembram dos saguões que passaram na minha, por vezes com acenos nos horizontes e outras sem que sequer virassem as costas para saberem se ainda estava ali.
Lembranças de invejas de outros aos quais espectava sorrateiramente disfarçando as lagrimas debaixo da chuva, para que não soubessem da saudade de amor que sentia.

Grato por estas lembranças afetivas que se disfarçam entre sublimações e chocolates.

S_E

Laura_Diz disse...

ai ai até a Mani lembrou d emim ai :)
bjs querida.