quarta-feira

Em busca do homem sensível

Se o amor é uma coisa que se aprende, creio que as pessoas de minha geração foram ensinadas a ter quereres um pouco acima da média, então. Nesse mundo pós-anos 80, com seus rituais efêmeros, sincréticos e recicláveis, o amor foi destilado em muitas línguas e cores, para tornar-se palatável a olhos e ouvidos tão inclinados à fugacidade. O amor virou pastiche de si mesmo, ecoando entre um frame e outro de um videoclipe. Estamos condicionados a trocar de amor tão rápido quanto fazemos zapping.

Mas não era disso que queria falar. Queria tentar partilhar a minha inquietação com uma das construções dessa cultura pós-moderna do amor: o homem sensível. Eu cresci consumindo a sua figura. Um dos legados pós-80. Na época, eles eram Dustin Hoffman, Al Pacino e Wood Allen, baixinhos e de óculos, em cenas de choro e monólogos de demonstração de fragilidade.

Contrapunham-se à imagem do macho dominante, brigão e arrebatador (como Clarck Gable, cínico e sedutor, roubando beijos de Scarlett O’hara)... Não dava mais para esses tipos conviverem lado a lado com mulheres de terno, working girls, cada vez mais incisivas rumo ao mundo dos negócios. Daí, cunharam expressões como “ocaso masculino”, dentre outras. É incrível como a construção de certas personagens são pertinentes à época em que emergem.

Eu lembro do apelo exercido pela capa do livro de Anais Nin, na prateleira da biblioteca da universidade: “Em Busca do homem sensível” - não confundir com essa leva de auto-ajuda para mulheres, tão comuns hoje -... eram crônicas e palestras da escritora. Uma delas falava desse novo homem, que surgia das alternativas de convivência propostas pela geração hippie, não lembro das palavras exatas com as quais ela descrevia, mas sim de alguns exemplos, como o de um jovem casal que viajava de moto pelo país, partilhando da pouca comida e das dificuldades. Nin exultava essa mudança de paradigma masculino como uma conseqüência das revoluções sociais, sem manipular nem puxar a sardinha para o mito do protagonismo das mulheres, as “invasoras” do mundo público de então. Para ela, o homem sensível não era simplesmente um macho ferido, mas alguém capaz de caminhar lado a lado, ciente das desigualdades...

Cá com meus botões, me pergunto se não sou da geração que enxergou no “homem sensível” um novo rótulo do príncipe encantado. Pela formação que recebi, posso apenas ter resignificado os clichês do amor romântico, fiz planos com eles, me apaixonei pelos personagens nos filmes em que via... na maioria das vezes não deu certo, porque os rótulos, infelizmente, boiam n’água ou despelam sob temperaturas mais agudas... À primeira crise, se desfazem...bye.

Sinceramente, tenho a sensação de que a maioria dos homens não se esforça em ser mais do que é... não se preocupa em cativar, surpreender, em fugir do lugar comodamente comum do macho dominante. Se a sensibilidade casualmente acontece, ok. Se não, tudo bem.

Vou explicar: não acho que um homem mereça palmas por ser minimamente educado ou gostar de cinema, isso é legal, se acontece, mas eles agem como se, cumprido o clichê, pronto, tá de bom tamanho. Se comportando como se apenas o fato de existirem fosse um grande favor, um serviço prestado à humanidade com a população feminina excedente. Não se trata apenas de estar presente. E o amor? Não a sensibilidade das citações, frases feitas, mas e os gestos espontâneos? Amabilidade e a gentileza não se arrancam, se dão. E eu sou chata e exigente. Demais. Impiedosa, quase.

Fico me questionando até que ponto Anais Nin tinha razão. Ou se foram apenas os filmes, músicas e livros que li que me lançaram numa expectativa além da conta. Porque...confesso, não tenho paciência para os não-sensíveis nem vejo muita graça nesse vai-e-vem nauseante das relações líquidas - reluzem como uma gota d’água por um lampejo de segundo, mas logo se espatifam na placidez do oceano, retomando uma busca contínua, que não cessa...

Talvez eu seja apenas pessimista. Talvez não tenha tido sorte. Talvez a busca tenha apenas começado. Quem saberá responder?... Espero mesmo que seja apenas o incômodo dos calos em meu desiludido cotovelo.

25 comentários:

Laura_Diz disse...

Que post bem escrito! concordo com vc,
nos parecemos na intolerância.
Um pouquinho de sotte ajuda, mas é preciso estar a fim deu ma nova relação senão não vai enxergar o homem sensível no meio dos outros.
Já é difícil achar, a gente sabe...
bjs querida e obrigada pelo link.
Laura

Anónimo disse...

Uau, Dai. Que texto bem escrito...Olha, eu já desisti de correr atrás do príncipe faz tempo porque, pra mim, tudo se resume a sorte mesmo. Ou você tem ou não tem. Eu sei que eu não tenho quando o assunto é amor. É meio simplista da minha parte (ou negativista) afirmar isso, mas é como funciona pra mim. Já me disseram que sou muito exigente, talvez eu seja, mas não me desculpo por ser assim, acho que estou no meu direito e pago as consequências disso. Enfim, é um mistério... e eu não tento mais resolvê-lo. Beijos. E, caramba, você é brilhante....:)

Anónimo disse...

Querida Senhora da Lua,

O penúltimo homem que amei, era sensivel até Demaisssssssssss, adorava tocar piano, escrever poemas, lembrar de todas datas, fazer cartões pintados por ele mesmo.

Mas acabou nos braços de outra num piscar de olhos. Talvez ele nutrisse um amor de momento, e olha que eramos noivos.

Você é extremamente inteligente, isso apavora os homens. Adorei seu post você é versátil; um dia hilarica, outro mulher que pensa. Adorei!!!!!!!!!!Você faz parte dos anos oitenta????????

beijos

Dai disse...

meninas, tb vou começar a responder os comentários, seguindo o exemplo de vocês, fica mais personalista, né?

Camille e Laura, meninas, o texto é um emaranhado de idéias que segue a lógica de um post do Caminhar... algumas pessoas implicaram, enfim, sabia o risco que correria. Polêmica... risos. Mas, no fundo, com toda falta de sorte e intolerância, acho que sigo buscando... Acho que todas nós, tem jeito não...

Ingrid, escrevi esse texto meio na revolta...fui criança nos anos 80, mas me sinto totalmente parte deles...
Beijos e obrigada pelas palavras gentis!

Palpiteira disse...

Cheguei através do Caminhar. Estou encantada com seu blog. Uma delícia ler vc.

Dai disse...

Tb adorei teu blog, palpiteira.

Sara Graciano disse...

Ah...mas é tão difícil acreditar neles não é mesmo, e quando vemos um filme como o Chungking Express - Amores Expressos, quase acreditamos que existe um homem como aquele, rss...
Tudo de bom...será que existe? Não sei. Mas não deixo de acreditar. Nunca. Bjs, adorei o texto, adoro o seu blog.

Ane disse...

Minha amiga,
Tua busca apenas começou.
Eles são raros. Muito. Muito mesmo. Mas se não o fossem, que graça teria. Nada de príncipes, viu? Os bons mesmo estão disfarçados. Vc vai ver.
Beijo e carinho.

Anónimo disse...

Nao busque, nao espere, nao procure.
Apenas acredite.
Tudo vem a seu tempo.
Beijinhos

Dai disse...

Sara, ainda sou perdidamente apaixonada pelo agente 663. Toda vez que revejo o filme caio de amores por ele. Ai, ai...

Ane, você é tão exata. De fato, beijos e carinho pra você também.

Julie, alguma fé ainda me resta...

Bom de semana pra vocês. :*

Lia Noronha disse...

Dai: vc tem um sensibilidade enorme...e está a altura de merecer um rei...pra cubrí-la de amores em seu castelo encantado!
Adorei td por aqui...vou linká-la no meu Cotidiano que é repleto de poesias e palavras de amor!
Beijo carinhoso.

Laura_Diz disse...

Vi que meu comentário está cheio de erros hihihi
bom, pra começar vc como Senhora D. minha amiga vai afastar até os insensíveis :) sinto muito, mas vc não tem nada de senhora, por favor...
hihhihi ai Dai, vc hein? tsc tsc tsc tão jovem e se dizendo Sra? ???
volto depois para palpitar mais.:)

Anónimo disse...

Ola garota, não conhecia a sua casa, vim pela querida Laura...
Você escreve bem, mas está tão desiludida, menina! O amor está no ar,sabe,qualquer que seja o tipo de relação que a gente prefira. É só relaxar e não ficar atras, ele vem ate você.
O amor entre duas pessoas existe, pode ter certeza.
Desejo o melhor do mundo pra você.
Beijo

Anónimo disse...

Acho que somos parecidas em algumas coisas... E entendo quando você fala dos homens assim... Achei curioso quando você falou das relações líquidas. Me lembrou o livro Amor Líquido, depois vou escrever sobre ele...
Beijos

Sara Graciano disse...

Comentando a resposta do comentário:
Sabe que aquele agente 663 não tem como não suspirar mesmo. O Kar-Wai sabe fazer com que a gente transborde emoções. Fora o 'Sr. Chow' do In the mood e 2046. Amo ele. Acho que aquele ator é tudo. Interpretação, beleza, sensibilidade. E dizem por aí que ele é bem assim mesmo, na vida real, 'um homem ideal'. Assistiu os making offs do In the mood? Nossa. Se puder veja. Um beijão.

Dai disse...

Lia, obrigada querida, uma sapo bem resolvido já ajudaria e muito! ;)

Laura, eu roubei da mani a expressão "disléxica no teclado", relaxe quantos aos erros de digitação, esses comentários não dão a colher de chá de a gente re-editar depois. Quanto ao Senhora D, é o nome do meu primeiro blog, essa brincadeira de fingir mais velha é algo que venho fazendo há tempos...talvez deva mudar de nick, ando me sentindo mais jovem mesmo... risos...

Beth, querida, obrigada pelas palavras de alento. Sei que "pego pesado", mas depois de escrever algo tão 'heavy' vem a sensação de leveza...

Sara, suspiro MESMO pelo Tony Leung, acho que ele também é uma espécie de homem perfeito para mim. Seu charme e beleza orientais são irresistíveis. *ai, ai*...preciso ver o making-off.

Lou, o amor líquido de que falo é este mesmo, do Bauman, foi de lá que emprestei o conceito. Tb estava pensando em escrever mais sobre isso, agora estou ansiosa pelo teu texto.

Beijocas.

Poeticamente... voando... disse...

Pois é, esse amor eu também li num romance e filme baseado neste romance, e falo dele no meu último post. Quer dizer, não é só um romance não, é a viagem da alma humana, muito bem descrito em minúcias por um escritor francês, Vercors, que inclusive era nome de guerra mesmo (ele era da Resistência Francesa durante a segunda-guerra e escreveu este romance nesta época). Foi feito um telefilme do romance em 2004 que é simplesmente uma maravilha cinematográfica.
Um abraço.

Poeticamente... voando... disse...

Escrevi, escrevi e só esqueci de dizer que o oficial alemão do filme é o protótipo do homem sensível, por isso fiz este comentário. A história nos faz refletir sobre o quanto é raro o encontro de outros seres que se parecem conosco e graças aos quais nos surge o natural desejo de fusão, mas este contato entre seres que se complementam pode ser fatalmente destruído pela insanidade do mundo exterior.

Anónimo disse...

Não estou deste lado e nemdaquele...as vezes fico mudo ao ver mulheres que me emocinam nserem totaalmente insensiveis di=onas de uma situçpão que não vale o emocional exigido...outras vezes me encanto pela beezas que negam meu umbigo..mas fazer o que eu amo mulheres apesar de meus erros e dos vicios de minha educação...gostariade ser diferente por isso me esforço em aprender com voçês como não ser escrevo de minha própria ignorância....de novo i try to live.

Anónimo disse...

Só me corrigindo...descupa-me!

Não estou deste lado e nem daquele...as vezes fico mudo ao ver
mulheres que me emocinam serem totalmente insensiveis à situção
que vale o emocional exigido...outras vezes me encanto por belezas
que me negam o umbigo..mas fazer o que, eu amo mulheres apesar
de meus erros e dos vicios de minha educação...gostaria de ser
diferente por isso me esforço em aprender como não ser o que aprendi
a ser, escrevo sobre minha própria ignorância....de novo i try to
live..de novo tento aprender tudo o que no esforço por aprender
esqueci ou então não reparei ?...di novo volto ao zero!...
tentando me reinventar !..descobrir, o que inadivertidamente não
observei.

Anónimo disse...

, além do tema central, entra em vários pontos. qndo fala do rótulos é interessante para qualquer rótulo.

|beijos meus|

Anónimo disse...

Uma otima semana pra ti!
Beijinho

Thaty disse...

Amei seu post! Eu sou uma romântica apaixonada por um principiante e tenho a honra de presenciar seus primeiros passos por este caminho. Mas tem algo mais, algo que não consigo parar de pensar: em como o tempo e a rotina acabam com qualquer romantismo. Mesmo o nosso, das mulheres. Afinal, porque só eles devem nos encher de surpresas para nos fazer felizes? Mas com o tempo a gente vai esquecendo, se emaranhando nas rotinas do dia a dia, nos acomodando... que Deus nos proteja do tempo! rs

Beijocas!

Dai disse...

K., fiquei curiosa em ler o romance e ver o filme que você menciona...pena que o meu francês ainda não é suficiente para ler o original de Vercors. Beijos.

Sara, caro poeta, também não escolho os lados, posso olhar através dos espelhos e perceber o lugar da tua fala, talvez eu soe taxativa, mas sou tão aprendiz quanto você... beijocas...

Pedro, pior do que rotular é ser rotulado, não? Desconfortável em qualquer ângulo...beijo.

julie, ótima semana para ti também, anjo...

Thaty, a rotina e o tempo são vilões, mas também podem ser aliados, a gente precisa ter consciência deles para tratá-los com carinho. Beijo grande, menina.

Anónimo disse...

Sabe, conheço homens sensíveis.
Poucos e raros, mas conheço.
Claro que eles são amigos, não amores.
Não tive essa sorte!
Pode xingar aqui?
Que me***!