quinta-feira

In the Mood for Love

Sim, como a Camille, também entrei na onda do Youtube... Posto o trailer de In the mood for love (em português Amor à flor da pele), vi esta semana... Nada pode ser tão arrebatador quanto. As cores exuberantes fulgurando na penumbra, a precisão dos atores, a trilha sonora que recria um clima noir, um perfume ocidental agridoce na atmosfera chinesa ambientada nos anos 50 e... a exata dimensão das impossibilidades do amor...É tão bonito que faltam palavras. Ainda estou pensando sobre ele, digerindo, devagar. Recomendável a todos os que choram com os versos de canções populares e conhecem a dor de guardar, para sempre, um segredo.

Janelas.

Outro dia comecei um diálogo com ela sobre janelas...

Daí me ocorreu que talvez janela seja a minha palavra favorita...
Gosto da grafia, do som – a mistura aguda do jota, com êne e ele. As rimas possíveis são bonitas. E, além de tudo, há uma simbologia vigorosa por trás de uma simples janela.
“Se Deus fecha uma porta, em algum lugar, abre-se uma janela”. Elas escondem portais mágicos... revelam frestas de vida para pessoas confinadas à clausura monótona de um quarto...
Para alguns, são o único contato com o mundo externo. Para outros, a única forma de diversão...
Quem caminhou alguma vez pelas paisagens sertanejas, irá lembrar da imagem repetitiva das mulheres de todas as idades se debruçando nas janelas... idosas com o olhar profundo, jovens mães, tendo filhos pendurados na cintura, garotas de banho tomado e vestido novo, à caça de pretendentes que possam transportá-las daquele ambiente doméstico ao alheio mundo “lá fora”...Remontando à herança simbólica dos romances de cavalaria, da donzela que jogava as tranças ou as cordas janela abaixo, para partir ao encontro do amor.
Em culturas patriarcais como a nossa (sobretudo na zona rural), as janelas são os olhos das mulheres, filtram e enquadram o que podem e devem ver... por isso é tão comum observá-las tomando conta daquele território com seus olhares insistentes, a vasculhar as novidades que passam e seguem...enquanto elas ficam, a sós com seus desejos...
Lembro também do filme Mar adentro, no qual o protagonista, paraplégico, passava os dias em sua cama. De uma ínfima janela sequer podia avistar o mar, mas adivinhava a sua proximidade, logo ali, adiante. Este era um dos poucos alentos de seus dias... a luz esmaecida do dia claro penetrando o ambiente, permitindo-o alçar vôos panorâmicos até a praia de seus sonhos.
E são as janelas milionárias de Bill Gates que nos permitem diminuir distâncias e tangenciar horizontes tão diferentes, num vôo tão mágico quanto o imaginado pelo personagem do filme – não quero soar como uma romântica adepta da filosofia da comunidade virtual global , sou consciente de que se recriam outras fronteiras, mas, que o nosso o mundo está ficando a cada dia mais pequeno, isto está. Entretanto, como em todo confinamento alumiado por uma brecha sinuosa, este também tem as suas desvantagens...
É... janela para mim é um vocábulo capaz de ascender uma luz no fim do túnel... mesmo conhecendo o seu avesso mais daninho, resta o desejo pelo desconhecido, pelos caminhos escondidos no além onde cada horizonte termina.

quarta-feira

prece em noite quente.


Como assim, medo do porvir?
Eu não.
Ao contrário.
Não vivo sem o desconhecido.
Precisamos um do outro.
Traçamos limites tênues entreolhos.
Roçamos umbigos – estamos unidos por um mesmo fio.

Preciso que ele me obscureça. Me guarde. Me guie.
Porque sou selvagem e troco de pele.
Porque sou lenta e preciso que o tempo me desvire o avesso.
Porque todos os apelos me regem, governam e iluminam.
Sim, eu preciso ir.
E, se não for agora
Será logo ali
Onde ele habita
Esse todo nada.
Essa fome
Esse não sei quê
Que existe junto a mim
E me leva pela mão.

segunda-feira

"If living is seeing/ I'm holding my breath/ In wonder - I wonder/ What happens next?/ A new world, a new day to see..." Bjork.

sexta-feira

sonhando com celebridades


Sim, eu tenho os sonhos mais estapafúrdios, mas ando preocupada com o crivo do meu subconsciente em selecionar espécimes machos para ilustrarem minha paisagem onírica.
Há uns meses sonhei que tinha engatado um romance tórrido com o George Constanza, da série Seinfeld. Eu lembro que, além de ele ter me tocado (em sonho) com seu lado sensível e desprotegido, eu me sentia totalmente atraída por sua figura. Engraçado é que o personagem é símbolo do que há de mais disgusting na ala masculina.

Nesse meio tempo, creio que algo melhorei. Há dois dias sonhei que ia a uma reunião do A.A. (?!)(acreditem, eu até bebo uns dois copos de cerveja por mês, mas nada que justifique), e, lá, dou de cara com o Robert De Niro (neste sonho mais jovem, na faixa dos 40). Imediatamente trocamos confidências e juras de amor, também movidos pela cumplicidade no fato de que ambos éramos alcoólatras. E eu ficava pensando "uau, eu peguei o Robert De Niro, isso sim é homem!".
Detalhe: eu não gosto do De Niro - nem como ator - menos ainda agora, que ele virou uma paródia de si mesmo. Carcamanos grosseiros e com pinta de cafajeste nunca foram o meu ponto franco. Ou seja, inconsciente também sou péssima para escolher homens. E a reunião do AA, então? Como diria uma amiga minha: "É freud."
Meu consolo é que, se em alguns meses a seleção do meu subconsciente evoluiu do Constanza para o De Niro, até o Natal, com muita reza, estarei sonhando com o Jake Gyllenhaal.

terça-feira

é difícil se sentir uma ilha em branco e preto no meio desse oceano verde amarelo de euforia.
esse sentimento de histeria coletiva intensifica ainda mais minha solidão.
é duro ser minoria.

domingo

Melancolia em tons de sépia



Paris, verão de 1887

Meu caro Théo,

Sinto-me triste, pois mesmo em caso de sucesso a pintura não renderá o que custa.
Fiquei comovido com o que você escreveu de casa: “Eles vão bastante bem, no entanto, é triste vê-los”.
E, contudo, há uns doze anos, juraríamos que apesar de tudo a casa continuaria a prosperar e tudo iria sempre bem. Seria um prazer para a mãe se seu casamento desse certo, e, por sua saúde e seus negócios seria melhor você não ficar só.
Eu sinto passar o desejo de casamento e de crianças e em certos momentos fico bastante melancólico por me sentir assim aos trinta e cinco anos, quando deveria me sentir totalmente diferente.
E às vezes odeio esta sórdida pintura.
Foi Richepin que disse em algum lugar: o amor pela arte nos faz perder o verdadeiro amor.
Acho isto terrivelmente exato, mas de encontro a isso, o verdadeiro amor faz perdemos o gosto pela arte.
E me ocorre sentir-me já velho e fracassado, e, contudo ainda suficientemente apaixonado para não ser um entusiasta da pintura. Para ter sucesso é preciso ambição, e a ambição me parece absurda. Não sei o que será, gostaria especialmente de viver menos às suas custas – e doravante isto não é impossível - , pois espero fazer progressos de forma que você possa, sem hesitações, mostrar o que faço sem se comprometer.
E de resto vou me retirar para algum lugar no Midi para não ter tantos pintores que me enojam como homens...
Vi Tanguy ontem, e ele pôs na vitrine uma tela que eu acabara de fazer, fiz quatro desde sua partida e estou com uma grande em andamento.
Bem sei que estas grandes telas compridas são de difícil vendagem, mas mais tarde as pessoas verão que elas têm vida e bom humor. Agora, o conjunto formará uma decoração de sala de jantar ou casa de campo.

Vincent.


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Comprei no aeroporto as cartas de Van Gogh ao seu irmão Theo. Fiquei um tanto frustrada com o texto seco do pintor, mas é ainda uma leitura interessante como exercício de compreensão do outro.

Van Gogh vivia em completo isolamento da racionalidade do mundo. Suas cartas eram longas descrições sobre cores, formas, natureza, arte, quadros. Ensimesmado em um universo interior tão rico quanto incompreensível aos que estão de fora.

Em minha interpretação, compreendi que ele não era louco. Apenas uma pessoa sensivel, que não se adaptava à realidade e por isso sofria com muitas e sucessivas crises de angústia, com as quais não sabia lidar.

Aquilo que chamam de loucura deve ter sido o preço para que ele pudesse mergulhar fundo numa obra tão densa, vasta e mágica quanto a que produziu em sua breve vida.

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Como não acredito nas totais coincidências, acho que andamos numa sintonia dramática de um retorno à melancolia. A cult traz matéria sobre isso esse mês.

Melancolia como estado afetivo fértil dos artistas. Preço alto, na maioria das vezes.